Kiff

Tardes em casa

Minha mãe é uma assídua ouvinte de rádio. Não qualquer uma, tem que ser a Liberdade FM assim como a tv de casa não conhece outra emissora que não a Globo.

Como ela não tá usando o quarto dela (desde que minha vó adoeceu, habitamos todos um andar só em torno dela), desci com a Alexa dela pra cozinha e instiguei: ô, mulher, por que a senhora não larga um pouco a rádio e escuta algo que a senhora verdadeiramente gosta, hein?

Tal como eu, ela é apegada a rotina, a coisas fixas. Mudança significa dor, mesmo que venha com ganhos posteriores. E, sendo assim, ela foi relutante, disse gostar das músicas que tocavam na rádio. Até as que não gostava, aprendia a gostar.

Insisti: Por que ouvir de vez em quando algo que gosta se a senhora pode escutar sempre? Por que se acostumar com algo que não gosta quando pode se permitir? E ela se permitiu.

E aí tem sido fantástico, a essa altura, descobrir o gosto musical da minha mãe. Ela gosta de um sambinha aos domingos de manhã, então assim geralmente acordo com Alcione ou Beth Carvalho. Pra quando tá arrumando a casa, gosta de algo pra cantar junto, então rola Priscilla Senna, Nelson Gonçalves, Roberto Carlos, Marília Mendonça. Ou quando quer só parar pra dizer "eu acho essa tão linda", rola Scorpions ("qual é aquela do assovio?"), Guns n' Roses ("essa também"), Joe Dolan, Trepidant’s.

Dia desses, cheguei do trabalho e ela me falou o quanto foi bom lembrar da juventude e como são lindas as músicas dos Beatles. Exclamou o quão incrível é não ter uma música ruim. Coincidentemente eu também tinha passado a tarde escutando Beatles, o álbum Abbey Road e trocamos maravilhamentos sobre.

As vezes, andando pela casa, ela para pra dizer "eu amo tanto essa" e eu amo esses momentos.

Em algum momento do passado eu tinha feito uma playlist chamada "Tardes em casa" imaginando algumas coisas que ela gostaria de ouvir e lembrando de coisas que ouvia quando era criança, nas épocas de fitas K7 e CDs. Tentando separar o que era dela do que era do meu pai.

Agora, com o streaming tenho a chance de afinar essa playlist com ela e isso é muito linguagem de amor que levarei pra memória futura.

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