Kiff

Ponderação de meio de ano [lado A]

CW: amputação de membro, histórias emotivas, feridas

Em janeiro escrevi:

Além dos 9 livros, vi uns 15 filmes. A ansiedade fica na fresta da porta sussurrando: vai, lê enquanto dá. Assiste enquanto dá. Tudo isso vai mudar em breve. Tô medicada, mas os períodos de hospital me assustaram e traumatizaram mais do que consigo mensurar. O que não imaginava era voltar pro hospital tão cedo.

Não que eu não imagine que a situação da minha vó possa mudar a qualquer momento, já que acamada, ainda que razoavelmente bem. O que não esperava era uma outra amputação tão cedo. Fui inocente, confesso. Ou talvez não inocente, mas ignorante sobre a extensão da doença. Até que fiquei sabendo e percebi que lá se iam muitos dos planos que tinha cogitado pra esse ano, pra mim.

Dessa vez eu fiz tudo certinho ou tão certinho quanto eu pude pagar. Dessa vez, tive regalias e escolhas: escolhemos o dia de ir, programamos o que levar pra uma longa estadia, preparamos a nossa mente pro que vinha pela frente. Mas não, nada prepara. E olha que me disseram que dessa vez ia ser menos traumático. Tão fácil falar.

Numa última tentativa de não passar por uma longa internação e amputação, recorremos a uma enfermeira particular que nos mandou a real e recomendou uma vascular. Corremos pra vascular já com peso no coração, porque a enfermeira citada cuida do meu pai desde 2019, quando surgiram as primeiras feridas diabéticas. Na vascular, entendemos que a coisa toda, a coisa inteira, era mais que "só feridas que não cicatrizam", era o entupimento de veias numa perna inteira, resultado de uma doença vascular em último estado resultando no que chamam de isquemia crítica. E que, a essa altura, não iria mesmo cicatrizar, já que, com as veias entupidas, o sangue não tinha como circular. Chegamos na médica tristes pensando na perda de um dedo, saímos arrasados porque a realidade era a possibilidade da perda de uma perna.

Apesar de ser um caminho doloroso (e caro), a última médica fez o que eu considerei a melhor coisa no processo: ela nos deu o mapa do caminho das pedras.

E no dia 17, tal qual O peregrino, saímos na nossa Jornada. Fomos pra UPA no dia e horário indicados, depois HRA e, por último, HMV (hospitais locais) - exatamente como a médica vascular disse.

Apesar do caminho previsto, o que nunca dá pra se preparar são as histórias que afetam no caminho, o que a gente tem que escutar, que ver, que sentir, que vivenciar.

Nessa de descobrir novas sensações, o que sinto é que passei por mais um salto de maturidade. Desses de quando você é bebê. Pelo visto, depois de nascer, eles nunca param de acontecer.

Eu não sei como terminar esse texto. Comecei há quase 10 dias e sinto que ainda não processei tudo que eu tenho que processar. Mesmo voltando pra casa, a rotina hospitalar foi transferida aqui pra dentro, com o diferencial que agora não tem terceiros pra lidar com as coisas, é tudo conosco, comigo. As comidas no horário certo, as medicações, os curativos, o estresse de lidar com doente teimoso, com a volta da rotina de trabalho, rotina de casa.

Sigo meio anestesiada, tentando não sentir nada em intensidade pra não sofrer com o peso da vida. Problema que acabo anestesiando também coisas boas, que não as sinto em intensidade.

Espero voltar em breve a escrever sobre outras coisas que aconteceram quando conseguir reorganizar meus pensamentos e sentimentos.

#diário #vida