Kiff

Feliz São João!

Ou melhor, Feliz São Pedro! Feliz último dia de festejos juninos.

Passar mais um mês junino na 'Capital do Forró' sempre traz infinitas sensações que até escrever sobre elas é difícil de tão misturadas e agridoces. É um mês onde pessoas nordestinas, vivendo aqui ou não, aproveitam para exprimir seu amor e suas lembranças pelas festas que acontecem no mês e, apesar de ter, sim, boas lembranças que me ligam à raiz, as lembranças ruins se sobressaem. É como enfiar a mão numa bacia de miçangas coloridas. É lindo de ver, é gostoso de sentir, mas separar por cor é custoso - e essa é sempre a parte que prevalece.

E aí ver tanta gente sendo alegre enquanto eu me afogo em sensações e lembranças ruins me dá um aperto no peito de ser amarga que me deixa mal. Queria também ser alegre e curtir essa festa com leveza.

Meus pais tiveram bar por grande parte da minha infância e por toda a minha adolescência. Sempre vivemos nas proximidades do principal polo do São João da cidade que a cada ano foi ficando maior e maior e ia nos envolvendo mais e mais. Consequentemente, eles não trabalhavam sozinhos, eu e meu irmão éramos também envolvidos em toda a dinâmica de trabalho e isso significava: virar madrugadas, sair pra comprar materiais de reposição, carregar peso, ter a casa invadida por estranhos a todo momento, lidar com estranhos a todo momento, lidar com bêbados a todo momento, andar por multidões. Ouvir as mesmas músicas que não gostávamos repetidas vezes, ir ao banheiro pra chorar e aguentar mais algumas horas, ser privada de fazer as coisas que gostávamos porque precisávamos trabalhar com um público abusado, lidar com turistas. Lavar banheiro com cocô e xixi de estranhos no chão, lavar banheiro com o cheiro intragável de xixi misturado com cerveja, limpar mesas, servir mesas, ouvir assédio calada, ouvir reclamação gratuita com sorriso no rosto, ouvir exigências descabidas. Cortar verdura, mexer panela, servir mesas e não ter hora pra comer e descansar.

Eu entendo quem se sente feliz indo pros festejos, mas eu, que grande parte da vida estive do lado oposto, sinto arrepios. Me voltam o cheiro do xixi com álcool, da lama com xixi que tomam a rua, do barulho sufocante que me faz gritar pra ser ouvida - logo eu, que falo baixo. A sensação de não ter pra onde correr numa multidão é sufocante.

30 dias. Ares de tortura em "fogueiras acesas na terra refletindo estrelas brilhando no céu".

Hoje, finalmente, é o último dia e bate um alívio de não precisar mais ser a amarga do meio feliz e colorido. Amanhã começa o meu dia favorito de todo ano no qual chamo carinhosamente de "arquitetura da destruição" (inspirada por um doc de mesmo nome) onde todas as luzes se apagam, todas as coisas começam a ser removidas, todos os caminhos voltam a ser livres e, por fim, vence o silêncio.

Sobrevivi mais um ano.

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