Divagações sobre saúde e dinheiro
Eu fui marcar uma consulta médica pra minha mãe e, nesse momento, eu tava com dinheiro pra pagar integralmente. O que não é o comum, geralmente somos dependentes de cartão de crédito e dividido em muitas parcelas.
Achei curioso que o lugar tava lotado (escritório de cartão de saúde que dá desconto em consultas) e todo mundo que era perguntado sobre a forma de pagamento, a resposta era sempre "pix" ou "débito". E quando crédito, se perguntado "quer parcelar?" a resposta era "deus me livre!". Seria algo bom se fosse um indicativo de autocontrole financeiro da população, mas a mim só me parecia uma camada acima de uma pobreza como a minha, a tal pobreza premium. Ou nem tanto, talvez a premium esteja num plano de saúde de verdade.
Enfim.
Ela foi pra consulta, paguei integralmente no pix; fomos pra farmácia, compramos a medicação, paguei no pix; fomos tomar um café, novamente paguei no pix. Uber no pix, pra cima e pra baixo. Uma saidinha numa manhã e, pof, 500 reais. No pix.
E nada demais, nada de luxo, tudo básico (ou que deveria ser). É foda o quanto dinheiro nos dá o senso de dignidade.
O que me faz ficar profundamente irritada com quem compara o tratamento privado de saúde com o SUS. Sim, ter o SUS é maravilhoso, desde que você não tenha urgência em depender do SUS. Se você não precisa dormir no chão sujo de um hospital ou implorar chorando pra que um parente seu tenha um atendimento básico de urgência, faça o favor de não comparar os dois sistemas na minha frente.
E aí é 'senta que lá vem história':
Quando meu pai foi encaminhado pra UPA, ele tinha uma parte do dedo sem circulação. Ele foi sob a recomendação de "precisa ver um vascular". Chegou lá, ficou interno. Porque precisava ver um vascular.
Por erro médico, deixaram o dedo dele sem curativo. No dia seguinte tinha ponto de necrose. Por erro da equipe, demoraram 5 dias pra transferí-lo. Mesmo com curativos diários, a necrose cobriu toda a parte inferior do dedo. Quando transferiram, esperou mais uns 3 dias pra "ver o vascular".
Ver o vascular, no fim das contas, significou amputar o dedo. Sem conversa, sem avaliação. Nunca nem vi o médico, no máximo, a equipe de enfermagem.
Já amputado, 3 enfermeiros conversaram comigo pra dizer "ó, não tá legal. Se continuar assim, o próximo passo é a ponta do pé, o pé, a perna...". Não à toa o hospital era conhecido como "açougue". E não é dos piores do Recife, pelos relatos. E os relatos... eu ouvi tanta coisa.
Ele teve alta e corremos pra uma enfermeira particular. Ela foi taxativa em dizer: ele não precisaria ter amputado. E tratando em 10 sessões, ela reverteu o caso dele. "Só" perdeu um dedo. E aí seguiu no SUS, como término de tratamento.
Pra gente que é pobre-pobre, SUS é uma benção e uma maldição. Ruim com, pior sem.
É preciso tá aqui na casta baixa pra ter uma panorâmica disso.