Casos de família
Minha vó morava em conferência. Não sei o quão comum é o conceito aí pelo resto do país, mas aqui é um agrupamento de casinhas destinadas à terceira idade e pessoas carentes, de cunho filantrópico e com um aluguel a preço módico.
Ela se mudou com meu avô quando vendeu a casa de um sítio que tinha e percebeu que envelhecer isolada num canto com acessibilidade ruim não daria certo.
A irmã dela, que já morava lá arrumou a casa na conferência e ela achou que tava bom.
O que mantinha minha vó, além das aposentadorias, era uma barraquinha de doces que ela vendia.
Minha vó sempre teve uma mania de perseguição. Sempre achou que alguém tava fazendo 'trabalhos' para atrapalhá-la nas vendas, na produção dos doces dela e pra tirá-la da casa.
Como sempre foi muito desconfiada com todo mundo e sempre ressaltou o quanto a minha tia não prestava, achávamos que era picuinha normal de irmãs.
Nos últimos anos estamos descobrindo que não era picuinha não, a irmã dela é, de fato, uma pessoa ruim, uma cruzeteira fina.
Imagina que ela que jogava pós diversos, restos de ebó, animais mortos, na porta da minha vó e fazia minha vó fritar pensando que tinha sido outros vizinhos.
Ela sempre inventava histórias e dizia pra um e pra outro que tinha sido minha vó, minha mãe. Coisas que a gente só conseguiu desfazer o nó de desavenças DE ANOS.
Descobrimos recentemente também que ela roubou duas crianças e os maltratou a vida inteira. O resto da família nunca soube, só agora que os filhos falaram e buscaram as famílias originais.
Imagina que até o filho da minha vó se voltou contra a mãe - de ameaçar de morte e tudo - por coisas que minha tia inventou.
Descobrimos só agora que minha vó, desde que meu avô faleceu, vive em estado de medo com meu tio (que tem histórico de violência doméstica).
E descobrimos que muitas coisas que minha tia fez e falou, foi pra conseguir a casa que minha vó morava que era uma das maiores de lá. Descobrimos que sempre foi um dos sonhos dela morar lá.
Agora ela conseguiu, porque minha vó não volta mais pelo estado atual e minha mãe conseguiu que fosse repassada exatamente pra ela.
E desde que conseguiu, ela nem liga mais pra perguntar da irmã.
Mas aí você vê, ela agora tem 80 anos, cegou por uma catarata que não quis tratar, tem o rosto consumido por feridas de um câncer de pele que não quis tratar igual e vai morar só numa casa maior do que pode sustentar.
Fico pensando se vai ter compensado para ela tudo que fez por algo que mal vai usufruir.
Minha vó praticamente não deixou nada substancial na casa. Meu tio aproveitou o tempo dela no hospital e tirou o pouco que tinha - louças, a feira do armário, alguns calçados.
Quando ficou claro pra gente que ela não voltaria mais pra lá, fomos pra casa pegar coisas dela e nos demos conta das perdas.
E só agora descobrimos que foi a minha tia quem deu o aval pra ele de tirar o que quisesse já que "a mãe tava mais pra morta mesmo".