Anatomia de uma queda
Quando eu vi esse filme, não dei a importância aos simbolismos que poderia ter dado. A pressa do Oscar meio que mata esse degustar calmo da lista preenchida. Então o monólogo da Sandra bateu, mas não bateu tanto quanto vem batendo nos últimos dias.
É quase um ritual anual chegar a essa altura do ano com uma melancolia pertinente. Ano após ano, a sensação de ser insuficiente, de estar perdendo tempo, de não conseguir avançar e de estar presa se intensifica ainda mais. Acho que é mais ou menos na época em que o gás de mudança e renovação da virada do ano vai acabando e vai sobrando só a realidade de que, é, mais um ano eu ainda tô aqui estagnada e com leves e pesadas pioras.
Nesse fim de semana, proferi a frase "Enquanto meu irmão levanta cedo pra correr na praia (algo de sua própria escolha, em prol de si), eu levanto pra trocar fralda da minha vó (algo que não escolhi, mas caiu pra mim por consequências). Ai, a vida...". E ao falar isso, veio o discurso do filme me atingir em cheio no peito e me aumentar a sensação de culpa.
"Você reclama da vida que você escolheu! Você não é uma vítima. Nem um pouco. A sua generosidade esconde algo mais sujo e mau. Você é incapaz de enfrentar suas ambições e fica ressentido comigo por isso. Mas não sou eu que te coloquei onde você está. Eu não tenho nada a ver com isso! Você não está se "sacrificando" como você diz! Você escolhe se colocar de lado, porque você tem medo! Porque seu orgulho faz sua cabeça explodir antes de você conseguir pensar no rascunho de uma ideia! e agora você acorda aos 40 anos e precisa de alguém pra culpar! E a culpa é sua! Você se paralisa pelos seus próprios princípios e seu medo de falhar! Essa é a verdade."
E aí veio uma tempestade de questões que estão martelando aqui. A culpa mora no fato de não ter conseguido resolver minha vida antes de ser presa por ela. Como resolvo agora? Como saio da armadilha? Como lido com a culpa que possa vir depois? Por que eu não posso desistir? Por que eu tenho tanto medo das consequências de mudança? Por que eu não tenho a coragem que meu irmão tem? Chegarei eu aos meus 40 procurando alguém pra culpar? E o que fazer com esse sentimento de que já acabou meu tempo?
Algumas dessas questões invocam outras questões e possivelmente poucas respostas.
Pra complementar, vi um trecho de uma entrevista de uma das participantes do BBB quando eliminada, e ela dá uma fala performática sobre como não ter como competir com pessoas mais jovens - sendo ela com 33 anos. Entendi tanto que doeu.
E as falas seguem doendo. Anatomia das nossas quedas.